Tuesday, June 13, 2006

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua,
meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das
lágrimas,
gastámos as mão à força de as
apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das
esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar
um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias:
os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.

E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade
"O poeta da intensidade" - Virgílio Ferreira

1 Comments:

At 7:04 PM, Blogger Tiago Fernandes said...

Não imaginas o quanto gosto deste poema.. e claro, de ti.. por favor, nunca me digas 'adeus'. Bj

 

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